Na zona norte de Londrina, onde o asfalto se prolonga e o cheiro de pão quente se mistura ao de graxa de oficina, existe um oásis: o refúgio da amizade — o Bar do Jair.
O nome pode parecer simples, mas ali pulsa o coração do bairro. Comanda o espaço o próprio Jair, descendente de japoneses, simpático, atencioso e sempre de bom humor, mesmo quando o bar está cheio e o Sushi resolve latir pro vento. Três mesas de sinuca com feltro mais gasto que japona velha em inverno de julho, um mercadinho que vende de tudo (menos juízo, claro) e uma clientela fiel formada por aposentados, funcionários, autônomos e o clã mais tradicional dos Alpes: os Pedrosos.
Seu Ramiro Pedroso é o rei da sinuca e da paciência. Sempre com a camisa do Corinthians, o boné — que muda de marca mais que sinal piscando na Duque de Caxias — e o braço firme no taco, ele virou lenda viva naquele espaço. Os guris, filhos do Ramiro — Valmir, Vilmar e Valmor — têm nomes que parecem saídos de uma rifa, mas são todos bons de sinuca. Jogam com ele, contra ele e, quando o pai resolve apenas “se entreter e tomar um Martini”, jogam entre si. Eita piazada do djanho pra jogar sinuca!
Mas quem realmente brilha é Sabrina, a netinha recém-chegada, filha do Valmor. Nem anda ainda, mas já frequenta o bar como se fosse sócia-fundadora. Vai no colo dos tios, vira o centro das atenções e mascote da turma. Dorme entre uma tacada e outra, embalada pelo som das bolas batendo, do eco da caçapa e das risadas da piazada.
Antes do almoço, reúne-se ali uma meia dúzia dos “mais pra lá do que pra cá” — todos bons de prosa — como se fosse uma sessão da câmara dos sábios. Discutem política, o preço do pinhão e o mistério do tiragosto do Jair: calabresa com cebola, que ninguém sabe ao certo se é realmente boa ou se o paladar da turma já se aposentou também. Jogam no ritmo deles. Cada tacada é quase um evento. Quando erram, debatem tanto que só falta o Jair chamar o VAR.
Depois das cinco da tarde, o clima muda. Começa a chegar a turma que trabalhou o dia inteiro: encanadores, eletricistas, pedreiros, técnicos de ar, radialistas, médicos, vendedores — e até um sujeito que afirma trabalhar com “TI”, mas vive com cheiro de gasolina e graxa. No Bar do Jair, não importa se se tem diploma ou apenas uma boa caixa de ferramentas: ali, todos são iguais. A cerveja trincando rola solta, o estresse evapora e, vez ou outra, resolvem até os problemas do Brasil — pelo menos até as dez da noite, quando o Jair pisca a luz, ameaça colocar a reprise da Voz do Brasil no rádio empoeirado e muda o Sushi de lugar. O cão, cego de um olho e guardião do estabelecimento, sai lá dos fundos e é amarrado perto da porta — sinal claro de que é hora de ir embora. Aos sábados, o Jair acende a churrasqueira improvisada sobre alguns tijolos e assa carne e linguiça. E, no fim, até quem só ficou de butuca entra no rateio.
De vez em quando, aparece o outro avô da Sabrina, vindo de Sorocaba — figuraça da sinuca. Chega sempre rindo, dizendo “agora vai”, e sai, mais uma vez, derrotado. Perde com dignidade ou, ao menos, com as desculpas de sempre: que a mesa tem descaída, que a luz atrapalha, que o taco está enviesado. Mas, no fundo, todos sabem: no Bar do Jair, ninguém é campeão. Todo mundo empata com o tempo e ganha na alegria.
O Bar do Jair é mais que um bar — é a sala de estar da zona norte. É psicólogo coletivo, ponto de encontro sem senha e espaço onde a vida encosta o taco e mira — não para vencer, mas para continuar jogando. Tem cerveja gelada, piá sorrindo e uma Sabrina que já ameaça a bola 15. Lá, cada jogada é uma história.
Quando alguém acerta uma bola impossível, ouve-se: “Essa foi de cinema, piá!” ou “Até o taco bateu palma!”. Quando erra uma que estava “de camisola”, vem a zoeira: “Essa até o Sushi, cego de um olho, matava!”. E quando a bola cai por pura sorte, ninguém perdoa: “Foi mais sorte que juízo, mas tá valendo!”. E o “prego”? No Jair o “prego” só na necessidade!
O Bar do Jair é feito de simplicidade, de afeto sem hora marcada e de uma Londrina que respira fundo antes de voltar para o jogo.