*Uma história fictícia, mas que acontece quase todos os dias...
A cela é fria. Uma dor de cabeça me domina e as lembranças
começam a despertar. O dia ainda não raiou e a escuridão faz com que meus
pensamentos se tornem mais obscuros do que deveriam ser. Lagrimas já não
escorrem mais. Uma mescla de arrependimento com desespero é o que chega mais
próximo de definir meus sentimentos. O hálito azedo me faz lembrar das várias
doses de vodka do belo início da noite. As mangas da blusa com manchas de
sangue levam minhas lembranças para o trágico final dela. Frio... sinto frio...
Em minha companhia, bandidos de todos os tipos. Traficantes,
assaltantes, estupradores, assassinos. Provavelmente todos culpados, que
levavam uma vida voltada aos crimes e ao desacato das leis. Pessoas frias, com
olhares gelados, que parecem sentir um macabro prazer ao me ver encarcerado
junto a eles. As paredes mal rebocadas e o chão duro me fazem lamentar a infinita
distancia do meu confortável quarto, onde estaria descansado para mais um dia
de trabalho.
Este não é o meu lugar. Costumava ser uma pessoa honesta e
justa. Tinha um trabalho digno, pagava meus impostos e honrava meus compromissos.
Era pontual. Tinha uma bela família e muitos amigos. Mas agora, já não sei o
que desse passado irá sobrar. Se algo sobrar.
Como poderia imaginar que essa noite que começou tão alegre
e descontraída fosse terminar comigo no fundo de uma cela?
Quem dera pudesse ver o futuro, assim não teria bebido. Mas
pensando bem, os avisos estavam ali. Agora me recordo das propagandas alertando
para o perigo de beber e dirigir. A imprensa noticiava todos os dias casos de
pessoas embriagadas matando inocentes. Tudo parecia tão distante, e os culpados
nunca eram punidos. Caso tal tragédia tão surreal acontecesse comigo, eu também
não seria punido. Assim são as coisas no Brasil. Políticos assaltam o
contribuinte o tempo todo, fazem carreira em Brasília às custas da corrupção, cometem
um verdadeiro genocídio garfando dinheiro da saúde e da educação, mas nunca são
punidos. Assassinos se prendem às artimanhas de brilhantes advogados e saem
andando pelas ruas com seus habeas corpus
debaixo dos braços. Porque eu seria condenado?
Os avisos estavam ali, mas como um bom brasileiro, eu estava
programado para não acreditar na justiça. Preferia pensar que algum novo
entendimento ou brecha na lei pudesse me salvar. Agora já não tenho tanta
certeza. As leis mudaram, aos menos as leis que hão de me julgar. Hoje
amanhecerei um criminoso, homicida.
Talvez tivesse tido sorte melhor não colocando o sinto de
segurança, e assim, seguiria o mesmo caminho do inocente casal de namorados que
atropelei enquanto caminhavam pela calçada. Meu corpo estaria ao lado dos seus,
como que se desculpando e tentando criar alguma cumplicidade.
Não os conhecia, nunca havia visto, mas os matei. O que
dirão seus familiares? Tem pais? Tem
filhos? Tinham planos para o futuro? Talvez essa seja a única semelhança entre
nós, pois agora já não tenho mais futuro. Nada sei dos dois, apenas que seu
sangue é vermelho e que seus corações não pulsam mais...
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